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TEMA Nº 1089 DO STJ

A prescrição da pretensão sancionatória e a desnecessidade de ajuizamento de ação autônoma para a reparação do dano em ação de improbidade administrativa.

24 min de leitura

A prescrição da pretensão sancionatória e a desnecessidade de ajuizamento de ação autônoma para a reparação do dano em ação de improbidade administrativa.

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no exercício de suas atribuições enquanto Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do Superior Tribunal de Justiça, constatou, no dia 19 de outubro de 2020, que o REsp nº 1.899.455/AC, oriundo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, veiculava controvérsia jurídica multitudinária e, portanto, passível de ser submetida ao rito próprio do Recursos Repetitivos, com o escopo de pacificar a discussão, bem como uniformizar o entendimento dos órgãos do Poder Judiciário a respeito da temática.

Deste modo, o Ministro citado opinou pela qualificação do recurso como representativo de controvérsia, porquanto, a seu juízo, foram satisfeitos os requisitos de admissibilidade para afetação do recurso ao rito dos Recursos Repetitivos e, com isso, submeteu a questão ao alvedrio do relator sorteado para o julgamento do feito.

A Ministra Assusete Magalhães, relatora sorteada, reconheceu os requisitos de admissibilidade apontados pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e, assim sendo, determinou: (i) a afetação dos Recursos Especiais colecionados por este Ministro ao procedimento dos Recursos Repetitivos; (ii) a suspensão dos processos que versem sobre a mesma questão jurídica; e, por fim, (iii) delimitou os contornos dos debates a serem travados no bojo do Tema nº 1.089, a saber:

“Possibilidade de se promover o ressarcimento do dano ao erário nos autos da Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, ainda que se declare a prescrição para as demais punições previstas na Lei n. 8.429/92, tendo em vista o caráter imprescritível daquela pretensão específica.”

Em outros termos, a hipótese é a seguinte: após o ajuizamento de Ação Civil Pública por improbidade administrativa em seus dois aspectos, isto é, com pleito sancionatório e reparatório, verifica-se que a pretensão punitiva, no entanto, prescreveu, restando, apenas, legítima a pretensão reparatória veiculada na Ação Civil Pública por improbidade administrativa.

Segue-as daí a problemática, isto é, partindo-se do pressuposto de que a pretensão indenizatória por ato de improbidade que cause prejuízo ao erário público é imprescritível, qual é o meio processual adequado para perseguir esta pretensão diante da hipótese supracitada? É lícito que, após o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, se dê o prosseguimento dessa Ação Civil Pública já ajuizada para, exclusivamente, se aferir a responsabilidade do réu em ressarcir o eventual prejuízo causado ao erário? Ou esta ação deve ser extinta e, assim, a pretensão reparatória por ato de improbidade que cause lesão ao erário, haja vista ser imprescritível, deve ser objeto de uma ação autônoma?

Essa é, em apertada síntese, a questão central versada no Tema nº 1.089 do Superior Tribunal de Justiça.

Trata-se de debate eminentemente processual e que ostenta considerável importância, pois, como se sabe, é possível que se veicule, numa Ação de Improbidade Administrativa e, suspostamente, em Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, um pedido de caráter indenizatório (imprescritível) e outro, de índole sancionatória (sujeito a prescrição).

Com isso, é importante traçar as consequências processuais que a prescrição da pretensão punitiva acarreta à pretensão reparatória, uma vez que, como dissemos, ambas pretensões podem conviver em Ação de Improbidade Administrativa e, conforme o entendimento jurisprudencial e de parcela da doutrina, também na Ação Civil Pública por ato de improbidade.

O que cumpre a nós, nesse sentido, é tecer algumas considerações acerca do assunto central a ser debatido no Tema nº 1.089 e, também, sobre questões que circundam o debate principal, visto que, ao nosso sentir, a correta compreensão destes temas acessórios é crucial para que se possa alcançar a solução jurídica mais adequada. Uma conclusão adequada, afinal, é consequência da solidez das premissas que a amparam.

Passamos, então, a firmar os alicerces do raciocínio a ser traçado.

Um ponto nevrálgico para a compressão da discussão reside na análise do regime jurídico, isto é, no conjunto de regras e princípios, aplicável ao instituto da improbidade administrativa. Este ponto, aliás, nos força a enfrentar o controverso tema da natureza jurídica das sanções previstas na Lei nº 8.429/92, uma vez que, somente após a aferição da natureza destas sanções, é que podemos, enfim, firmar seu regime jurídico.

Pois bem, é justamente nessa premissa que a discordância entre os estudiosos do Direito, própria de um ambiente em que impera a liberdade de pensamento, é exteriorizada.

Ao interpretar os textos normativos previstos no art. 37, §4º, da Constituição, e os dispositivos positivados na Lei º 8.429/92, há quem sustente que as sanções legalmente previstas ostentam natureza civil[1], outra parcela respeitável da doutrina, por sua vez, defende a natureza civil e política das sanções imputáveis ao agente que pratica um ato de improbidade administrativa.[2] Existem nobres autores, ainda, que argumentam a natureza penal das sanções em tela.[3]

Nesta toada, diante da polarização que se funda, com maior intensidade, entre os defensores de uma natureza civil, por um lado, e os que sustentam, por outro lado, a natureza penal das medidas e sanções, é cabível aqui, para defendermos nosso posicionamento, nos lembrarmos do sábio adágio popular: “Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar”.

É que, ao analisarmos especialmente a Lei nº 8.429/92, que regula o art. 37, §4º, da Constituição, verificamos que o instituto da Improbidade Administrativa se alicerça em regras e princípios de Direito Civil, Direito Administrativo e, também, de Direito Penal, ao que, segue-se daí sua “natureza complexa”.[4]

Vale dizer, o ato de improbidade administrativa pode, ou não, causar lesão ao erário público. Quando isto se configurar no plano fático e, por óbvio, seja aferida a responsabilidade civil do agente público réu, o Poder Judiciário deve determinar o integral ressarcimento do dano causado (art. 37, §4º, da Constituição e art. 5º, da Lei nº 8.429/92).

Percebe-se, com isso, uma faceta reparatória, indenizatória, que as ações que visam impugnar atos de improbidade geradores de lesão ao erário público podem ostentar. Trata-se de uma faceta que deve ser analisada a partir de forte influência das regras e princípios do Direito Civil, com enfoque no instituto da Responsabilidade Civil.

É um ponto, em suma, que deve ser abordado sob uma perspectiva civilista, pois a finalidade aqui é de ressarcir o prejuízo gerado pelo ato ímprobo e não, propriamente, punir o agente público responsável e reprimir a sua conduta ilícita; ou seja, a finalidade pela qual se justifica a medida imposta ao réu, deste modo, é crucial para se determinar o regime jurídico aplicável a ela.

Daí que, quando abordamos a Lei de Improbidade Administrativa em seu aspecto indenizatório, devemos fazê-lo com os olhos direcionados aos fundamentos civilistas.

De todo modo, uma rápida leitura dos textos normativos positivados na Lei nº 8.429/92, em especial aos textos previstos no art. 12 desta Lei, nos permite verificar, de plano, que este diploma normativo não se preocupa tão somente com a reparação do dano provocado pelo ato de improbidade administrativa.

Pelo contrário, conforme nosso sentir, essa faceta reparatória apresenta um caráter acessório na Lei supracitada, a qual imputa graves penas ao agente público que, dolosamente, viola a probidade administrativa, de tal modo que a Lei nº 8.429/92 apresenta uma finalidade, majoritariamente, sancionatória.

Incumbe esclarecer que, a Constituição Federal, no art. 37, §4º, estabelece que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

No plano infraconstitucional, conforme se depreende do art. 12, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, ao regular o mandamento constitucional, o legislador ordinário positivou o cabimento das seguintes penas: (i) perda da função pública; (ii) suspensão dos direitos políticos, que pode chegar até 08 anos; (iii) multa civil; e (iv) proibição de contratar com o Poder Público ou receber qualquer incentivo ou benefício de índole fiscal ou creditícia, direta ou indiretamente, ainda que isto se dê por intermédio de pessoa jurídica da qual o condenado seja sócio majoritário.

Tamanha foi a severidade com que o legislador constituinte e, também, o legislador infraconstitucional, na toada daquele, buscaram reprimir os agentes responsáveis pela prática de improbidade administrativa, o que revela, ainda que de forma implícita, o elevado valor jurídico atribuído a probidade no exercício da função administrativa.

Ora, diante da violação desse valor jurídico, fica autorizada a suspensão dos direitos políticos, medida de extrema restrição em um Estado Democrático como o previsto na Constituição de 1988 e que, lançando mão de uma interpretação sistemática da Lei Fundamental, verificamos que se trata de medida igualmente imposta aos condenados criminalmente (art. 15, inciso III).

Aliás, a pena de suspensão de direitos, bem como a aplicação de multa, são penas previstas, também, como consequências da prática de delitos (art. 5º, inciso XLVI, da Constituição) e, além disso, o art. 92, inciso I, Código Penal prevê, como efeito secundário da condenação criminal definitiva, a possibilidade do Poder Judiciário determinar a perda, por parte do agente público condenado, de cargo público, função pública ou, até mesmo, mandado eletivo.[5]

Sendo assim, por mais que os atos de improbidade administrativa não possam ser considerados crimes e, por conseguinte, não ostentem natureza penal, é evidente que há, entre as sanções próprias da seara criminal e as sanções decorrentes da prática de ato ímprobo administrativo, uma identidade substancial.

Essa similitude se acentua, a propósito, se considerarmos as finalidades de ambas as sanções, ou seja, ambas não possuem uma finalidade meramente reparatória, isto é, de ressarcimento, uma vez que buscam reprimir a conduta juridicamente censurável do agente, de modo a evitar que se torne uma prática habitual e recorrente, tratando-se, portanto, de uma finalidade estritamente sancionatória e, portanto, punitiva.[6]

Esse é o outro aspecto das medidas previstas na Lei nº 8.429/92, é a sua faceta de índole sancionatória, a qual possui diferenças abissais com as medidas meramente reparatórias previstas nesta mesma legislação.

Essas distinções decorrem da finalidade justificadora da imposição da medida e, por conseguinte, acarretam consequências ao regime jurídico que deve ser observado na aplicação dessas medidas, haja vista que, enquanto no aspecto reparatório, conforme destacamos, o regime jurídico se aproxima daquele do Direito Civil e do Direito Processual Civil, no que tange a índole sancionatória prevista na Lei de Improbidade Administrativa, há um forte influxo das regras e princípios próprias do Direito Penal e do Direito Processual Penal.

Significa dizer, por mais que as sanções previstas na Lei nº 8.429/92 não se confundam com as sanções penais, há, entre estas e aquelas, uma considerável relação de identidade material, o que torna justificável a importação de princípios e regras próprios do Direito Penal e Processual Penal para a Lei de Improbidade Administrativa.

A Lei nº 8.429/92, portanto, no que tange ao seu aspecto sancionatório, recebe forte influxo do regime jurídico próprio dos ramos penais do Direito[7], o que se dá, inclusive, com o intuito de fornecer aos réus em Ação de Improbidade Administrativa a proteção conferida pelo Direito Penal e Processual Penal, tendo em vista a semelhante materialidade entre os institutos, e, assim, atribuir a eles as garantias próprias destas searas jurídicas, com o escopo de proteger com maior robusteza seus direitos fundamentais.[8]

Diante dessa duplicidade de medidas positivadas na Lei de Improbidade Administrativa e passíveis de imputação cumulativa ao réu responsável pela prática de um ato ímprobo que cause lesão ao erário público, a doutrina reconhece, acertadamente, que a Ação de Improbidade Administrativa apresenta uma “dupla face”[9] ou, como prefere Guilherme Recena Costa, uma ambivalência.[10]

Cada face da Ação de Improbidade Administrativa possui peculiaridades próprias, uma vez que são regidas por regimes jurídicos distintos, e isto possui relevantes desdobramos que, infelizmente, são ignorados com frequência na prática jurídica, o que decorre, ao nosso juízo, da falta de compreensão da natureza jurídica complexa da Lei de Improbidade e seu caráter ambivalente.

Um desdobramento, de índole processual, que nos cabe destacar, a partir dessas considerações firmadas, é a análise da ação processual adequada a ser ajuizada diante da prática de um ato de improbidade administrativa.

Neste ponto, tem sido frequente a confusão entre os institutos da Ação Civil Pública e da Ação de Improbidade Administrativa, o que se verifica, sobretudo entre os operadores e aplicadores do Direito, é que ambas vias processuais têm sido empregadas de forma acrítica e com pouca técnica.

Essa confusão, no entanto, nos parece sanável a partir do correto entendimento da natureza jurídica das medidas previstas na Lei nº 8.429/92 e pela compreensão da finalidade dos dois meios processuais citados.

A Ação de Improbidade possui um rito próprio, específico, previsto entre os arts. 14 e 18 da Lei nº 8.429/92, que regulam tanto a fase administrativa da Ação de Improbidade Administrativa, como, também, sua fase judicial, logo, a legislação supracitada, além de regulamentar o art. 37, §4º, da Constituição Federal, em seu aspecto material, prevê, outrossim, normas processuais, que estabelecem os ritos administrativo e judicial a serem observados por uma ação que visa impugnar um ato de improbidade administrativa.

O principal aspecto da Ação de Improbidade é a possibilidade de, por meio dela, ser veiculado pedido que vise aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 ao agente público, o que caracteriza, portanto, a Ação de Improbidade é o cabimento da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa em seu aspecto sancionatório, de modo que a imposição dessas sanções, em suma, são o pedido principal a ser formulado nesta espécie de ação, porquanto, essa é sua finalidade precípua, de maneira que a faceta reparatória, malgrado possa ser formulada cumulativamente, apresenta caráter acessório.[11]

A Ação Civil Pública, por seu turno, não possui essa índole sancionatória, haja vista que, por mais que o art. 129, inciso III, da Carta Magna, estipule como função do Ministério Público o ajuizamento de Ação Civil Pública, com o fim de proteger o patrimônio público e social, assim como outros interesses difusos, esta ação possui, nítido caráter reparatório, isto é, indenizatório, de natureza eminentemente civil.

Essa é sua finalidade precípua: a reparação de danos.[12] Infere-se, a partir desta premissa, que a Ação Civil Pública não possui índole sancionatória, de tal sorte que esta ação não é a via processual adequada para formulação de pretensões estritamente punitivas, isto é, que ultrapassem os limites de uma pretensão exclusivamente reparatória.

O que nos parece evidente, assim, é que ambas as ações possuem finalidades distintas[13] e, deste modo, são cabíveis em hipóteses distintas, de acordo com a pretensão do sujeito ativo.

Sendo assim, delimitado o âmbito de cabimento da cada ação, ambos institutos nos parecem inconfundíveis.

A conclusão parece intuitiva: não é cabível o ajuizamento de Ação Civil Pública com a pretensão de aplicação do aspecto sancionatório da Lei nº 8.429/92, pois trata-se de via processual inadequada para tanto, haja vista a incompatibilidade entre a finalidade da Ação Civil Pública e a faceta sancionatória prevista na Lei de Improbidade.

Conforme nosso entendimento, só é cabível impugnar um ato de improbidade através de Ação Civil Pública, caso este ato tenha causado lesão ao erário público e o pedido se limite a requerer tão somente a reparação do dano causado pelo agente público, de modo que, esta via processual deve ser restringida ao aspecto reparatório da Lei de Improbidade Administrativa, de tal forma que é descabido o pleito sancionatório por ato de improbidade em sede de Ação Civil Pública.[14]

Além da incompatibilidade entre a finalidade dos dois institutos em comento, vale ressaltar que a Lei nº 8.429/92 não prevê a aplicação, ainda que subsidiária, da Lei nº 7.347/85.

A própria Lei de Improbidade, além de prever um rito próprio para a apuração e punição dos atos de improbidade administrativa, não faz qualquer menção a observância dos preceitos do instituto da Ação Civil Pública, o que nos leva a concluir que não há fundamento normativo que justifique o cabimento desta espécie processual.

Além disso, por força do critério da especialidade, ao nosso sentir, não há que se falar, mais uma vez, na aplicação da Lei nº 7.347/85, visto que a Lei nº 8.429/92 traz normas materiais e processuais específicas sobre o instituto da Improbidade Administrativa.

A finalidade da Lei de Improbidade Administrativa é, justamente, a de regular o art. 37, §4º, da Constituição, de tal sorte que se trata de norma especial sobre o tema e, portanto, de observância preferível em relação a outras normas gerais de aplicação subsidiária, resultando disso que, além de não haver previsão normativa para aplicação subsidiária da Lei nº 7.347/85, o afastamento da aplicação desta Lei, ainda, é uma imposição do critério da especialidade.[15]

Desta maneira, caso o sujeito ativo pretenda ajuizar uma ação para impugnar ato de improbidade administrativa, com a pretensão de imputar ao agente público as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, deverá fazê-lo através do ajuizamento de Ação de Improbidade, disciplinada nesta Lei; caso haja lesão ao erário público, o sujeito ativo poderá, ainda no bojo desta mesma ação, pleitear a reparação do dano de forma cumulativa.

Deste modo, caso o sujeito ativo tenha essa pretensão sancionatória, não é cabível lançar mão da Ação Civil Pública, ação inadequada para a satisfação desta pretensão punitiva, que, diante de um ato de improbidade administrativa, deverá se restringir ao aspecto reparatório, isto é, na faceta do ato que cause lesão ao erário público, caso este dano, evidentemente, seja verificável e tenha ocorrido.

Portanto, conforme exposto, há uma incoerência técnica na fixação da tese a ser debatida no Tema nº 1089 do STJ, visto que aborda uma hipótese em que foi ajuizada uma Ação Civil Pública com finalidade sancionatória e reparatória, tendo ocorrido a prescrição daquela.

A essa altura, devemos sublinhar o óbvio, isto é, Ação Civil Pública é via processual inadequada para a satisfação de pretensão punitiva, de tal modo que, caso seja ajuizada com esta finalidade, restará configurada a carência da ação por falta de interesse de agir, pois se trata de um meio processual inadequado para a satisfação de pretensões desta natureza.[16]

Outro desdobramento do caráter ambivalente da Ação da Improbidade se dá em instituto de alta relevância: o da prescrição.[17]

Tendo em vista que se trata de um instituto realizador do princípio da segurança jurídica, o qual está interligado, inclusive, ao escopo do próprio Direito,[18] a regra geral é de que toda ação judicial está sujeita, em maior ou menor prazo, a ocorrência de eventual prescrição.

A Lei nº 8.429/92, a propósito, prevê expressamente que as ações destinadas a imposição de sanções, também, estão sujeitas à prescrição, conforme se depreende do art. 23 da Lei de Improbidade, do que, conclui-se que a pretensão punitiva da ação de improbidade administrativa é passível de prescrição.

Resposta semelhante, no entanto, não pode ser atribuída no que se refere a faceta reparatória da ação de improbidade, visto que, à luz do texto normativo previsto no art. 37, §5º, da Constituição e, portanto, em decorrência de mandamento constitucional do qual não podemos nos afastar, infere-se que os atos causadores de lesão ao erário público são imprescritíveis.

Nesse sentido, especialmente no que tange os atos de improbidade administrativa que acarretem prejuízo ao erário, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, definiu que são “imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”. [19]

Nesta toada, se, por um lado, o aspecto sancionatório da Ação de Improbidade é passível de prescrição, a faceta reparatória desta ação é imprescritível, quando o agente praticou o ato imbuído de dolo.

Deste modo, caso ambas pretensões tenham sido formuladas no ajuizamento de Ação de Improbidade, é plenamente possível que uma pretensão (sancionatória) prescreva, enquanto a outra (indenizatória), permaneça imaculada – sendo esta, inclusive, hipótese semelhante à versada no Tema nº 1089 do STJ, diferindo apenas na espécie de ação ajuizada.

Caso a prescrição da faceta sancionatória tenha sido constatada após a instauração da ação de improbidade administrativa, malgrado esta se destine, especialmente, a imposição de sanções, entende-se que a ação deve prosseguir na apuração do ato de improbidade, com o fim de se apurar a responsabilidade civil do agente público em ressarcir o erário, haja vista a imprescritibilidade da pretensão.

Com isso, não se ignora a impossibilidade de ajuizamento de ação de improbidade com pedido isolado de ressarcimento ao erário[20], no entanto, depois de instaurada a ação, por força dos princípios da instrumentalidade das formas, da economia e aproveitamento dos atos processuais, bem como, justamente, por não haver qualquer prejuízo ao direito de defesa do réu, entendemos que a ação de improbidade deve prosseguir na parte em que não houve prescrição, de tal maneira que não há que se falar na necessidade de ajuizamento de ação autônoma para a satisfação da pretensão de ressarcimento.[21]

Por mais que se trate, de certa forma, de um vício formal, uma vez que para a exclusiva reparação do dano seria adequada a propositura de Ação Civil Pública, é preciso ressaltar que a Ação de Improbidade, por importar regras e princípios do Direito Penal e Processual Penal, assegura de forma satisfatória o exercício do direito de defesa – o qual é garantido, aliás, com plenitude superior do que seria no curso de uma Ação Civil Pública – de tal sorte que não há qualquer prejuízo a finalidade do processo.

A apuração de ato de improbidade administrativa, em observância ao devido processual legal, sobretudo no que se refere às garantias inerentes ao direito de defesa, e eventual responsabilização do agente, o que enseja a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, corolário do princípio da economia processual.[22]

Ainda com fundamento na ausência de qualquer prejuízo ao réu da ação de improbidade, não se trata de vício com o condão de ensejar a anulação do processo, de tal maneira que os atos processuais já editados devem ser, na maior medida do possível, aproveitados, pois o vício formal em tela não atenta, como já dissemos, contra a finalidade e as garantias inerentes ao devido processual legal, e, assim, deve ser observado o princípio do aproveitamento dos atos processuais defeituosos.[23]

Por derradeiro, em abono aos argumentos já expostos, entendemos necessário destacar que, não ignoramos a relevância dos critérios formais para a correta interpretação e aplicação do Direito, de modo que, se faz indispensável a observância de certo formalismo, especialmente quando as formas acarretam consequências relevantes no âmbito material, como um número maior ou menor de garantias processuais relacionadas ao direito de defesa e, que, em contrapartida, a ausência de qualquer formalismo seria fonte de caos na prática forense, resultando em gravame à ordem e segurança jurídica.

Foi nesse sentido, inclusive, que defendemos o cabimento exclusivo da Ação de Improbidade como via processual adequada para aplicação de sanções ao agente público, visto que esta ação, em comparação à Ação Civil Pública, protege de forma mais eficaz os direitos fundamentais do réu, haja vista sua semelhança com os ramos penais do Direito.

À guisa de conclusão, verifica-se que “quem pode o mais, também pode o menos”, sem que o inverso seja verdadeiro – diz, igualmente, a sabedoria popular – existindo certa progressão nas pretensões formuladas em cada espécie processual, penal e civil, de modo que, as categorias penais abrangem as cíveis, sem que, contudo, o inverso ocorra.

Todavia, caso não haja qualquer prejuízo aos direitos das partes envolvidas no processo, não podemos nos apegar a um “tecnicismo exagerado”,[24] o qual pode ser uma hábil técnica do julgador se despir do seu dever jurídico de analisar e julgar pleitos dos jurisdicionados, mas que, ao mesmo passo, funciona como uma artimanha que, muitas vezes, distancia o cidadão de um direito que lhe é devido.

Esse tecnicismo cego, alheio às finalidades substanciais das normas processuais, afasta os cidadãos do maior patrimônio público de uma sociedade: seus direitos historicamente conquistados.

Sempre que possível, portanto, os magistrados devem se debruçar com afinco nas demandas levadas pelos jurisdicionados e, não havendo vícios processuais insanáveis, devem julgar o mérito das questões.

Nesse sentido, é valido transcrever os preciosos termos expostos pela Min. Nancy Andrighi em seu voto no julgamento do REsp nº 975.807/RJ:

“Os óbices e armadilhas processuais só prejudicam a parte que tem razão, porque quem não a tem perderá a questão no mérito, de qualquer maneira. O processo civil dos óbices e armadilhas é o processo civil dos rábulas. Mesmo os advogados mais competentes e estudiosos estão sujeitos ao esquecimento, ao lapso. O direito das partes não pode depender de tão pouco. Nas questões controvertidas, convém que se adote, sempre que possível, a opção que aumente a viabilidade do processo e as chances de julgamento da causa. Não a opção que restringe o direito da parte. As Reformas Processuais têm de ir além da mudança das leis. Elas têm de chegar ao espírito de quem julga. Basta do processo pelo simples processo. Que se inicie uma fase de viabilização dos julgamentos de mérito.”[25]

Se de um lado, é verdadeiro que, o excesso de formalismo prejudica as próprias finalidades do processo, de outra banda, é, igualmente, verdadeiro que, sua ausência, pode dar lastro a todo e qualquer tipo de injustiça, autorizando à parte que representa o Estado, propor ações genéricas e abstratas, isto é, no caso, incumbe, objetivamente, ao Ministério Público manejar os instrumentos processuais adequados à suas pretensões, sem prejuízo aos réus nos processos judiciais de improbidade administrativa.

Ante o exposto, concluímos que, diante da hipótese de prescrição da pretensão sancionatória, veiculada em ação de improbidade administrava de forma cumulativa com a pretensão reparatória, tendo em vista o caráter imprescritível desta, bem como a ausência de qualquer prejuízo ao direito de defesa do réu ou afronta às finalidades do processo, é cabível o prosseguimento da ação para se buscar a apuração do ato de improbidade e, sendo o caso, determinar o devido ressarcimento ao erário público.


Autor: Maurício Wakukawa Junior, advogado, bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba – FADI, especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional – ESDC, com larga experiência em contencioso administrativo e tributário.

Autor: Pedro Dadalto Oliveira, bacharelando em Direito pela PUC/SP, estagiário e membro da Equipe IDITA, foco em pesquisa acadêmica e jurisprudencial, experiência em Direito Administrativo e Tributário.


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[1] Por todos: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 1027.

[2] Nesse sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 677-679.

[3] Como representantes deste entendimento: ANIBAL JÚNIOR, Vanderlei; FONSECA, Sérgio Roxo da. Natureza Penal da Sanção por Improbidade Administrativa. Migalhas, jan. 2007. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/34430/natureza-penal-da-sancao-por-improbidade-administrativa. Acesso em: 13/05/2021. BERTI, Marcio Guedes. A Natureza Penal da Lei de Improbidade Administrativa. Revista Jurídica JusVox Ano 1, nº 02, jul. 2016. Disponível em: https://www.jusvox.com.br/revista/edicoes-anteriores/item/151-a-natureza-penal-da-lei-de-improbidade-administrativa.html. Acesso em: 13/05/2021.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 705.

[5] São pontos, brilhantemente, levantados pelo notável Teori Albino Zavascki, v.: ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005, p. 96.

[6] Idem, p. 96-97.

[7] Nessa linha, pontua Eurico Ferraresi que: “A Lei de Improbidade, substancialmente, é de cunho repressivo. Apenas o rito se desenvolve no juízo civil e, por isso, sua natureza de ação busca na ação de improbidade é demonstrar que o agente público praticou determinada conduta; que existe um nexo de causalidade entre essa conduta e o resultado previsto; que essa conduta se subsume ao preceito primário de uma norma sancionadora (artigos 9o, 10 ou 11); e que, por isso, o responsável deverá ser submetido às punições discriminadas no preceito secundário da norma incriminadora (art. 12). O raciocínio é o mesmo feito pelo juízo criminal ao condenar o autor de um ilícito penal. A natureza repressiva das sanções do artigo 12 da Lei no 8.429/92 exige que vários princípios penais sejam observados. Os princípios da legalidade e da anterioridade, consagrados no art. 1o do Código Penal e no art. 5o, XXXIX, da Constituição de 1988, valem integralmente para a ação de improbidade. Só serão consideradas ímprobas as condutas descritas expressamente na Lei no 8.429/92. Além disso, a conduta praticada anterior- mente à vigência da Lei no 8.429/92 escapa de sua incidência. Da mesma forma, princípios como o da tipicidade, o da responsabilidade subjetiva, o do non bis in idem, o da presunção de inocência, o da individualização da pena, entre outros, deverão ser considerados na interpretação da Lei de Improbidade Administrativa. As sanções aplicadas aos agentes responsáveis pela prática de atos de improbidade administrativa são graves. Talvez por essa razão, sustenta-se que a interpretação dos artigos 9o, 10 e 11 da Lei no 8.429/92, que descrevem as modalidades de atos de improbidade administrativa, deverá ser realizada nos mesmos moldes da interpretação efetuada no direito penal. Vale dizer: não merecedora de ampliação.” FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 189-199.

[8] Como leciona Teori Albino Zavascki: “Ora, é justamente essa identidade substancial das penas que dá suporta à doutrina da unidade da pretensão punitiva (ius puniendi) do Estado, cuja principal consequência ‘é a aplicação de princípios comuns ao direito penal e ao Direito Administrativo Sancionador, reforçando-se, nesse passo, as garantias individuais’. Realmente, não parece lógico, do ponto de visto dos direitos fundamentais e dos postulados da dignidade da pessoa humana, que se invista o acusado das mais amplas garantias até mesmo quando deva responder por infração penal que produz simples pena de multa pecuniária e se lhe negue garantias semelhantes quando a infração, conquanto administrativa, pode resultar em pena muito mais severa, como a perda de função pública ou a suspensão de direitos políticos. Por isso, embora não se possa traçar uma absoluta unidade de regime jurídico, não há dúvida de que alguns princípios são comuns a qualquer sistema sancionatório, seja nos ilícitos penais, seja nos ilícitos administrativos (…).” ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, op. cit., p. 97.

[9] Idem, p. 102-103.

[10] COSTA, Guilherme Recena. A Ambivalência da Ação de Improbidade Administrativa e sua Conformação Processual, p. 245. In: COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (coordenadores). Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei nº 8.429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015.

[11] Como bem destaca Guilherme Recena Costa: “Ora, a razão de ser da ação de improbidade não reside, certamente, na tutela ressarcitória (do dano ao erário) prevista no art. 5o da LIA, pois, para tanto, já bastariam a ação civil pública “comum” e a ação popular (supra, nos 2.1 e 2.2). De fato, já se viu ser a possibilidade de aplicação de sanções o aspecto que singulariza a ação de improbidade.50, 51 Por isso, para que se esteja diante de uma ação de improbidade, necessário que na demanda conste pedido de aplicação das sanções “punitivas”.52 É isso que torna peculiar a ação de improbidade, em confronto com as demais modalidades de procedimento previstas: seu objetivo primordial é punir o ímprobo. Apenas em caráter “secundário” poderá ser busca- da também – no mesmo processo – a reparação dos danos causados pelo ato impugnado e a sua eventual invalidação.53 A punição, portanto, vem em primeiro plano.” Idem, p. 245.

[12] É o que podemos extrair, aliás, do texto normativo previsto no art. 1º, caput, da Lei nº 7.347/85, de seguinte teor: “Art. 1º – Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:”. A Ação Civil Pública, portanto, têm por objeto a responsabilização civil dos agentes que causem dano aos bens jurídicos difusos e coletivos previstos nos incisos do art. 1º, caput, da Lei supracitada.

[13] A propósito, André Luís Alves de Mel destaca que: “A Lei de Improbidade tem objetivo principal de responsabilização (aplicação de sanção) e não de reparação do dano como é na Ação Civil Pública, logo a Lei de Improbidade não foca em direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos. A ação por improbidade tem como objetivo sanções como suspensão dos direitos políticos, aplicação de multas, impedimentos de contratar com ente público e outros bem diferentes da Ação Civil Pública.” MELO, André Luís Alves de. Ação por improbidade não é ação civil pública. Revista Consultor Jurídico. São Paulo, out. 2013. Disponível em:  aceso em: https://www.conjur.com.br/2013-out-26/andre-luis-melo-acao-improbidade-nao-acao-civil-publica. Acesso em: 18/05/2021. No mesmo sentido, Marçal Justen Filho leciona que: “Muitos pensam que a ação de improbidade administrativa envolve manifestação equivalente à ação popular ou à ação civil pública, visão radicalmente equivocada. Todos esses instrumentos processuais têm em comum a defesa do patrimônio público, mas a ação por improbidade se caracteriza por cunho punitivo penal que não existe nos outros casos.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 708.

[14] Inobstante nossa discordância, vale registrar parcela respeitável da doutrina que entende pelo cabimento de Ação Civil Pública para apurar e punir atos de improbidade administrativa: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, op. cit., p. 693-695; RIZZARDO, Arnaldo. Ação civil pública e ação de improbidade administrativa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 373.

[15] Nesse sentido, vale observar as lições de Hely Lopes Meirelles: “Como se sabe, a Lei n. 7.437/85 destina-se à defesa do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dos direitos difusos e coletivos e da ordem econômica (art. 1º). A Lei da Ação Civil Pública, portanto, não trata especificamente de improbidade administrativa, que é justamente o foco único da Lei n. 8.429/92. Assim, deve ser reconhecido que, pela regra da especialidade, a Lei n. 7.437/85 não se aplica aos casos em que se alega improbidade administrativa e/ou se pede a cominação das penas previstas na Lei n. 8.429/92.Ainda que se entendesse estar a probidade administrativa incluída dentre os direitos difusos e coletivos da sociedade, por ser a moralidade um princípio básico e genérico da Administração Pública, consagrado expressamente no art. 37 da CF, é preciso reconhecer que a Lei n. 8.429/92 é posterior, e regulou inteiramente a matéria. Assim sendo, afastou por completo a incidência da Lei n. 7.437/85 nesta seara, consoante a regra do §1º do art. 2º da LICC. (…). A conclusão, portanto, só pode ser pela total inaplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública para as hipóteses da ação de improbidade administrativa, visto ser a matéria regulada inteiramente pela Lei n. 8.429/92, tanto do ponto de vista substantivo quanto adjetivo. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 198-199.

[16] Destacando a diferença entre as finalidades da Ação Civil Pública, Ação Popular e Ação de Improbidade Administrativa, já se posicionou, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça em momento pretérito: “Algumas premissas de ordem jurídico-normativas são importantes para a compreensão e a solução das questões postas nos recursos. É preciso enfatizar que não estamos julgando uma simples demanda anulatória de ato jurídico ou de reparação de danos. Estamos julgando uma ação de improbidade administrativa, de matriz constitucional (art.37, § 4º e disciplinada na Lei 8.429/92), que tem natureza especialíssima, qualificada pelo singularidade do seu objeto, que é o de aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas – físicas ou jurídicas – que com eles se acumpliciam para atuar contra a Administração ou que se beneficiam com o ato de improbidade. Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na Lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória. Aqui, repita-se, o objeto principal da demanda é repressivo.” (STJ; REsp nº 827.445/SP; Órgão julgador: Primeira Turma; Rel. Min. Teori Albino Zavascki; DJe: 02/02/2010).

[17] A prescrição, conforme os termos de Celso Antônio Bandeira de Mello, é da “perda da ação judicial, vale dizer, do meio de defesa de uma pretensão jurídica, pela exaustão do prazo legal previsto para utilizá-la.” BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 1113.

[18] Idem, p. 127-128.

[19] STF; RE nº 852.475/SP; Órgão julgador: Plenário; Rel. Min. Edson Fachin; DJe: 08/08/2018.

[20] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, op. cit., p. 102-103.

[21] Vale observar, nesse sentido, as ponderações expostas pelo Min. Teori Albino Zavascki no julgamento do REsp nº 928.725/DF:“Inobstante, isso não significa dizer que a utilização da ação de improbidade para deduzir pedido autônomo de ressarcimento de danos acarrete, necessariamente, a extinção do processo sem julgamento de mérito. Essa solução radical e inflexível não atende ao princípio da instrumentalidade das formas, por força do qual não se anulam atos processuais que, embora praticados de forma diversa da enunciada, atingem mesmo assim a sua finalidade. Também não atende ao princípio da preservação (ou do aproveitamento) dos atos do processo, segundo o qual não se declara a nulidade desses atos quando for possível suprir o defeito ou corrigir a irregularidade. Ou seja: também em ação de improbidade deve-se aplicar o art. 284 do CPC, permitindo à parte autora promover as correções ou sanar as irregularidades eventualmente constatadas na petição inicial, a fim de propiciar o andamento normal do processo. No caso concreto, há outra especial razão para dar provimento. A ação de improbidade não deduziu apenas e unicamente o pedido de ressarcimento. Na inicial, tal pedido veio cumulado com o da aplicação das outras sanções típicas da ação de improbidade, as quais, todavia, não ultrapassaram a fase de recebimento da demanda, pois foram consideradas prescritas. Assim, foi correta a eleição do rito processual inicialmente imprimido. Na verdade, a subsistência isolada do pedido de ressarcimento ocorreu por decisão judicial superveniente, justamente quando o procedimento, ultrapassando sua fase peculiar de “recebimento da inicial”, prevista nos parágrafos 6º a 8º do art. 17 da Lei 8.429/92, retomava o “rito ordinário”, como estabelecido no caput desse art. 17. Isso significa dizer que, nas circunstâncias do caso, sequer emenda à inicial é necessária, pois na fase em que se encontrava quando remanesceu o pedido isolado de ressarcimento, a demanda já assumia o rito do processo comum, próprio para a pretensão ressarcitória. Seria injustificável exagero formal determinar que, mesmo assim, o processo fosse extinto, para que outro tivesse início.” STJ; REsp nº 928.725/DF; Órgão julgador: Primeira Turma; Rel. Min. Teori Albino Zavascki; DJe: 16/06/2009.

[22] Sobre o princípio da instrumentalidade das formas, cumpre registrar os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Range Dinamarco: “A disciplina legislativa das formas do procedimento é a melhor solução, acatada aliás no direito moderno; e o bom resultado do processo depende em grande parte da maneira pela qual o legislador cumpre sua tarefa. A experiência secular demonstrou que as exigências legais quanto à forma devem atender a critérios racionais, lembrada sempre a finalidade com que são impostas e evitando-se o culto das formas como se elas fossem um fim em si mesmas. Esse pensamento é a manifestação do princípio da instrumentalidade das formas, o qual (associado a algumas regras contidas na teoria das nulidades processuais — infra, n. 259) vem dar a justa medida do sistema de legalidade formal.” DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 404. Ato contínuo, elucidam os brilhantes juristas: “O princípio da instrumentalidade das formas, de que já se falou, impõe que só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido (o que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si’ mesmo).” Idem, p. 421.

[23] Nesse sentido, leciona Fredie Didier Júnior: “Somente se deve nulificar um ato do procedimento ou o próprio procedimento se não for possível aproveitá-lo – do mesmo modo que a invalidação deve restringir-se ao mínimo necessário, mantendo-se incólumes partes do ato que possam ser aproveitadas, por não terem sido contaminadas. O magistrado deve tentar aproveitar o ato processual ou o procedimento defeituoso. Eis o princípio do aproveitamento dos atos processuais defeituosos, que se aplica sempre, pouco importa o grau do defeito do ato ou do procedimento.” DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 21ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2019, p. 479.

[24] A expressão é de Humberto Theodoro Júnior: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 56.

[25] STJ; REsp nº 975.807/RJ; Órgão julgador: Terceira Turma; Rel. Min. Nancy Andrighi; DJe: 02/09/2008.

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